quarta-feira, 21 de julho de 2010

RESTAURADAS AS ROMARIAS NA ILHA TERCEIRA

“O Mundo só pode ser
Melhor do que até aqui,
Quando consigas fazer
Mais p´los outros que por ti”

O poema é de António Aleixo e fora citado sem nenhum engulho pelo Rodrigo, um jovem que arribara a esta ilha vindo da Graciosa com outros irmãos romeiros para participar nesta terra ilha de Jesus Cristo – designação como fora chamada pelos primeiros avista dores e povoadores da Terceira, na IV Romaria, depois de à quatro anos ter sido restaurada essa tradição, e em boa hora na ilha. Gaspar Frutuoso primeiro cronista destes rochedos atlânticos na sua discrição sobre a ilha Terceira – nas Saudades da Terra; Frei Diogo das Chagas – em Espelho Cristalino; Pe. António Cordeiro – na Historia Insulana das Ilhas; Alfredo da Silva Sampaio – nas suas Memórias sobre a Ilha Terceira e mais tarde amplificada e mais tratada por Francisco Ferreira Drumond nos seus Anais, registaram desde sedo as Romarias. Elas sucediam nesta terra, tendo sempre como forte presença na fundamentação, as epidemias, os fogos, os tremores de terra vindos das entranhas da ilha ou ditada pela força das águas - enchurradas, que colocavam as gentes que as habitavam em momentos de grande aflição, levando-os assim a pedir e formular votos de clemência ao criador para que os livrassem de tais sucedidos. O tempo, passa, mas embora decorridos já 5 séculos, continuamos a registar âncoras dessa nossa açorianidade, que nos remetem para uma identidade que nos é muito própria. Nessas leituras, encontra-mos sempre um denominador comum, numa relação directa e justa entre a fé que o povo cultiva e o seu agradecimento, muitas vezes traduzido em obra física ou seja, na dinâmica operada pela edificação empreendidas das Ermidas, que ao redor da Ilha (s) que foram sucedendo com naturalidade, modos, que são, por si só, sinónimo da devoção a Deus - o criador, através dos seus oragos de peito, numa relação que podemos dizer quase umbilical.




Os primeiros registos de romarias na Terceira, ocorrem juntos às Ermidas ou aos pequenos nichos construídos para ali colocar a imagem encontrada: São Roque (São Bento), que poderá ser [opinamos], seguramente um dos locais onde se terá realizado das primeiras romagens – tinha Casa de Romeiros. Senhora da Esperança (Porto Judeu); Santo Amaro (Ribeirinha); Senhora da Ajuda (Santa Bárbara); Santinha do Mato (Cinco Picos); Nossa Senhora de Guadalupe (Agualva) e Nossa Senhora dos Milagres (Serreta), estas 3 ultimas tinham também sua Casa de Romeiros – mantendo-se apenas hoje com a mesma configuração a existente em Santa Bárbara – Senhora da Ajuda.
Tal como refere o Pe. Alfredo Lucas – em As Ermidas da Ilha Terceira: “ Assim, existiam casa dos romeiros junto das ermidas de S. Roque, em Angra, Nossa Senhora da Esperança, no Porto Judeu, Nossa Senhora dos Remédios, na freguesia das Lajes, e parece que junto da ermida da S. Vicente Ferreira, em S. Mateus. Lembramos ainda que outra casa dos romeiros existiu no lugar da ermida da Santinha do Mato, nos Cinco Picos, devendo referir-se que todos eram de pequenas dimensões, exceptuando a das Lajes.”


Uma nota, deve agora merecer ser dada, sobre o enquadramento do Património Cultural Imaterial. Foi criada esta distinção em 1997 pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, com o objectivo de proteger, reconhecendo os valores, tradições culturais e crenças de um Povo, também adoptando a designação de Património Cultural Intangível da humanidade (Heranças que não podem ser desvirtuadas, logo tocadas - intangível, porque se sente com o coração e se perpetua num gesto de fé e respeito ao passado) - as Romarias através dos seus ranchos de romeiros têm pleno enquadramento nessa avaliação, porque todo seu ritual organizacional fundamenta essa distinção nesse enquadramento.
As Romarias nos Açores existiram sempre por todas as Ilhas se bem que tenha sido na Ilha de São Miguel que conseguiram mantê-las praticamente sempre ininterruptamente. Na ilha Graciosa também recuperada tradição já com 11 anos a essa parte e nesta ilha Terceira, à 4 anos restauradas e resgatadas, com um cunho presencial muito particular, uma vez que a ligação quase directa, embora autónoma à Igreja, na presença de um diácono ou sacerdote, veio dar-lhe uma estrutura muito própria e consistente, singular mesmo, pela partilha que ocorre nos momentos de reflexão às temáticas diárias. Sem duvidas, que este contexto foi fundamental na sua relação com as populações, que tem vindo em crescendo – daí podermos afirmar estar-se na presença de um bom fermento para as gerações futuras, tão necessitada que está a contemporânea, de referências aos valores de Deus e da Família – queremos (querem-se) cristãos pobres em espirito porque ricos em caridade.

Terminamos esta abordagem e porque em tempo de quaresma [a ela nos referimos], para nos devermos centrar na missão dos valores cristãos, na Páscoa e naquilo que ela representa e deve significar para uma humanidade - sem rumo. Nos deve merecer, assim o respeito, também aos menos crentes [aos laicos], recordando que à mais de 2000 anos [2010], um Homem, percorreu o doloroso caminho da via-sacra e que até hoje, não consta relatos de outro paralelo [não foi ficção!].
As Romarias são pois, uma realidade fulcral, esse impulso para o real e na força da mensagem: tornar a reunir a reagrupando e dar a esperança, num mundo demasiado distante… O pedido, a reza e o sacrifício, no gesto simples e sério, sem pudor, porque de modo assumido, para partilhar os caminhos da fé e da solidariedade solene a Cristo - O filho do Homem, que no vigor da sua idade, fora abruptamente flamejado, cobardemente e selvaticamente crucificado, sofrendo momentos dolorosos até à morte na cruz e que só alguém diferente poderia resistir.

Por vezes somos de memória curta, interessa-nos mais a riqueza em espírito, nos preocupamos com a nossa ostentação dos valores materiais e só nos lembramos [usa dizer-se], de Santa Bárbara quando sentimos trovões. O mesmo se poderá dizer nos tempos que correm, que andamos meio arredios, esquecidos, não damos valor nem nos apetece recordar o que os nossos antepassados viveram – suas dificuldades, quando as ilhas eram acometidas de epidemias fogos e forças telúricas. Nos dias que correm todos os dias entram-nos portas a dentro, notícias de calamidades e tragédias, pelo que devemos saber estar preparados para as viver, porque são reais – não estamos imunes, porque as vividas e sentidas no passado podem voltar a qualquer momento… [!].

E porque falámos da Páscoa, recordemos também restaurando e jogando de novo ao Balamento e que o seja já em 2011, com os nossos filhos, ainda vai a tempo… “temos tempo…” como usa dizer o irmão Isaías! Uma tradição sem maldade, onde o espirito convergente e de partilha familiar é denominador comum. – Eu lembro-me, jogava-o também com meus pais e irmãs - [Este ano voltei a joga-lo com a minha filha mais nova !].
Uma Santa Páscoa, é do coração, o que mais vos posso desejar, que tenha sido vivida efectivamente por todos quantos leiam esta nota nesta quadra, já em pleno estio – o Verão vai já a meio, por isso boas férias, muita saúde e que Deus e Nossa Mãe Maria Santíssima esteja e fique em nossa companhia [!].

“Quando em mim penso com calma
E me compreendo melhor
Bem merecia que a minha alma
Tivesse um corpo maior”
António Aleixo"
Artigo publicado no Jornal "A União" da autoria do irmão Victor Cardoso

1 comentário:

Paulo disse...

Um excelente artigo do nosso irmão Victor. Já fazia algum tempo que um artigo desta natureza faltava por aqui, não só pela sua veracidade, mas também pelas bases historicas desta "Irmandade".